quinta-feira, 10 de abril de 2014

Tenho vivido.

Tenho uma vida que me foi dada de graça, de mão beijada, divida.
Tenho incutidos em mim os sonhos e ambições de quem me fez.
Tenho morrido a todo momento desde que nasci.
Tenho vivido a todo momento que comecei a morrer.

Tenho choro.
Tenho sono.

Tenho descoberto o que todos já descobriram e descobrirão.

Tenho perguntas.
Tenho perguntado.
(às vezes) Tenho respostas.
(sempre) Tenho respostas apenas minhas.

Tenho alegria e diversão.
Tenho um coração, cheio.
Tenho brincado, caído e me ralado.
Tenho que engolir o choro.

Tenho descoberto o que todos já descobriram ou tem de descobrir.

Tenho descoberto o toque macio.
Tenho descoberto a boca molhada.
Tenho descoberto o calor do corpo.
Tenho descoberto o corpo quente.

Tenho sonhos,
Tenho ambições.
Tenho dúvidas.
Tenho que fazer escolhas sem a maturidade para fazê-las.
Tenho que seguir em frente.

Tenho amigos para sempre, que esqueci.
Tenho amigos fieis, que traí.
Tenho amores eternos, acabaram.

Tenho amado.

Tenho amores passados, presentes e futuros, moldados.
Tenho amores, primeiros, segundos e únicos, incontáveis.
Tenho amado tanto e pouco.
Tenho amado.

Tenho vivido, seguindo.
Tenho feito promessas que não posso cumprir, a pessoas que não posso dever.
Tenho desgosto,
Tenho gosto, cor e cheiro.
Tenho vivido.

Tenho tentado ser alguém, principalmente eu
Tenho sido eu.
Tenho vivido.

E tenho meus versos,
pra que a vida valha a pena,
pra que seja eterna.

E se escassos, lembrem-se,
tenho vivido.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Lati, Lati. Lati,
Lá te vi, tão meiga e delicada,
Miou, Miou. Miou,
Me olhou de esguelha, sorriu oblíqua, fugiu fugaz
Ladrar, Ladrar
Ladra do meu coração, roubou minha atenção, levou minha paz.
 
E fui atrás de ti, por muros e telhados,
ignorando os olhares de censura,
os gatos e seus sibilados, os cães e seus rosnados,
se preciso fosse, treparia numa árvore à sua procura.
 
Soltou um Miado, Miado. Miado,
Me adorou, se aproximou e satisfeita com minha persistência,
com minha insistência,
Ronronou, Ronoronou. Ronronou,
de alegria.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

13 de Maio de 1999 (Cobranças)‏.


Ele colocou o telefone no gancho e levou as mãos ao rosto, cansado. Deu um longo suspiro, cansado. Era o pessoal da editora, estão me cobrando, ele disse quando ela entrava na sala, Cobrando o quê? você tem escrito sempre, não larga esse bloquinho, distrai-se a pensar sobre seus poemas, sobre seu livro, respondeu-lhe sentando-se ao seu lado, ele jogou seu corpo para trás no sofá, Mas quantas vezes já me viu escrevendo? de que me adiantam tantas ideias... eu preciso me cobrar mais, Acalme-se... se cobrar não levará a nada, você tem outras coisas com que se preocupar, nós, por exemplo... ele a olhou com um ar de descrença, uma sobrancelha levantada, Aline, nós estamos juntos o tempo todo, você praticamente mora aqui, já se passaram seis meses e eu sequer comecei meu livro, eu tô arruinado.
Pois é bom que você não me troque por nada, Tiago, porque saiba que não lhe darei nenhum prazo, nem seis meses sequer seis segundos. Eu não simplesmente cobro, eu faço você pagar.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

5 de Março de 1999. (Apostas)

Sentados no gramado do parque, gargalhavam. "Tá bom, tá bom, minha vez. Deixa eu ver... eu aposto que você não acerta aquele formigueiro ali" Ela disse lhe entregando uma pedra. Ele se ergueu sobre um joelho; fechou um olho e levantou a pedra à altura do outro; puxou o braço para trás e sem força fez o arremesso. A pedra ainda sim alcançou o pé do formigueiro, e ao atingi-lo fez com que um pedaço de terra caísse do topo. "Nada mal, poderia ser melhor, mas ainda sim conseguiu acertar. Merece um prêmio." Reclinou-se sobre o rapaz e lhe deu um beijo rápido nos lábios fechados.
Deu uma risada inocente e disse se sentando "Valendo outro beijo, aposto que não acerta aquelas pombas" E pôs outra pedra em sua mão. Ele parou por alguns segundos, olhou para sua mão cerrada, olhou para as aves, olhou para ela. A menina meneou a cabeça, incentivando-o a tomar uma atitude, "Qual a diferença entre acertar as formigas e os pombos, afinal?" Por mais que fizesse sentido, ele continuava hesitante. Ela lhe mandou um beijo, ele apertou a pedra em sua mão, virou-se para as pombas e arremessou, acertou em cheio no corpo da mais gorda. Ela tentou voar, mas sua asa fraquejou e ela caiu, ao levantar fugiu o mais rapidamente que pôde. Antes que o menino pudesse ir ajudar o pássaro, ela passou a perna sobre ele e, colando seus corpos, beijou-o. Um beijo longo e vagaroso.
Levantou-se num pulo, rindo-se, abriu os braços e falou "Aposto que não consegue derrubar aquelas pessoas" E apontou com a cabeça para um grupo de amigos que andavam de bicicleta e patins. Mas o rapaz não gostou da ideia, começou a se levantar para se afastar dela "Vamos, vai, será divertido, ganhará o melhor beijo de todos, prometo." Ela disse. O rapaz então lhe deu a mão, apesar de fechar a cara, demonstrando que não concordava com isso. Ela o puxou para perto do grupo, soltou-lhe e começou a procurar algo pelo chão, e com um gritinho de satisfação 
lhe entregou algo. "É só jogar no chão quando não estiverem olhando, se passarem por cima, cairão." Disse em meio a risos contidos. Ele deu um passo em silêncio, sem chamar atenção de seus alvos e jogou o pedaço de galho seco sem que lhe notassem. A menina o puxou rapidamente para trás da árvore. Assim que ouviu o galho se quebrando o gemido de dor de uma garota, ela passou as mãos por trás dele e lhe envolveu num beijo, beijou-lhe toda a boca; a mordeu; o mordeu; as mãos dançavam pelo corpo dela; ela quase dançava colada a ele; a respiração ofegante; o coração acelerado. Ela lhe deu um beijo longo; apaixonado. Sua boca se recusava a desgrudar da dela, mas ela se afastou. Afastou-se devagar, empurrou-o para trás, beijou-lhe o pescoço, o peito sob a camiseta, o corpo, de cima a baixo. E embaixo, aproximou-se, olhou para ele, que mordia os lábios. Os dentes metálicos se afastaram. Os lábios dela se abriram.
Abriu os olhos e lhe sorriu. Ele se abaixava, deitando ao pé da árvore, se sentia um adolescente, um adolescente muito feliz e inconsequente
Acomodou-se no colo dele, recostou-se em seu peito e, corada, lhe falou inocentemente "Aposto que não parte meu coração antes d'eu partir o teu".

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

24 de Janeiro de 1999. (Pessimismo)

Eu não quero que ela termine comigo!

— Alô? Tiago? Ela quem? Do que tu tá falando, cara?
— A garota com quem venho saindo, Lúcio, ela não quer nada sério comigo, nos vemos quase todos os dias, mas sei que ela não quer nada comigo, por que ela faz isso? Que droga.
— Ela não quer namorar contigo, mas continua te vendo? Realmente, é confuso. 
— Na verdade, eu não a pedi em namoro, Lúcio, ela recusaria, mesmo que aceitasse, terminaria comigo e me deixaria arrasado.
— Tiago, se não namoram, e sequer a pediu em namoro, como tu me diz que não quer que ela termine?
— O copo está 1/3 vazio, Lúcio.
— O quê?
— Não está 2/3 cheio, o verdadeiro pessimista vê o copo 1/3 vazio, é preciso talento pra essas coisas, sabe?.
— Ah, por favor, deixe de tolice. Conte-me dessa garota, como ela é afinal?
— Ela não é normal, não tem nada que a destaque, é um pouco mais baixa que a média; um pouco irritante e certamente beijá-la não é o paraíso, mas ela gosta de mim; ela ri do que falo - ri comigo -; ela parece feliz quando olha nos meus olhos quando estamos juntos; ela parece que adora sim me beijar, minha boca chega a doer de tanto beijo que me dá.
— E tu não queria que ela terminasse contigo a princípio? Parece que nem ao menos gosta dela, não te entendo.
— Ei, eu gosto sim, você quem perguntou como ela era. Lúcio, péra aí, tem outra ligação, vou atender, continua na linha. Alô, quem é?
— Acho que não deu certo, Tiago, ainda estou aqui.
— Agora vai.

— Lúcio, eu não quero que ela termine comigo!, ela vai partir meu coração!
— Tiago, por mil diabos, contenha-se, não acabamos de ter essa conversa?
— Era ela na outra linha, ela está vindo pra cá, perguntei se ela queria namorar comigo e ela aceitou.
— Tu a pediu em namoro por telefone? 
— É mesmo! Mas que droga, eu faço tudo errado, sou um namorado péssimo, mereço mesmo que ela termine comigo! Na verdade, pode até me fazer bem, tanto para aprender a ser melhor, como na profissão. Sim, eu mereço que ela parta meu coração, não mereço nada mais que isso, um coração partido e novas expectavivas pessimistas, esperanças frustradas.